Éder Fogaça
edfogaca@gmail.com
11 setembro 2025
Dia histórico
O voto da Ministra
garantiu a cerveja
07 setembro 2025
A nuvem passeia
e sem querer revela
Estrela de inverno
30 agosto 2025
22 agosto 2025
05 agosto 2025
08 março 2025
O jogador
- Vamos, claro, só marcar.
O problema é que ele nunca aparecia nos jogos da galera. Sempre tinha uma desculpa. A última foi que a cachorrinha estava parindo e que precisava levá-la ao veterinário. Louvável, não fosse mentira.
Certa vez, foram de comitiva à casa de José para que não houvesse fuga. Já na porta, ao receber a turma, disse:
- Hoje não vai dar.
Levaram-no de arrasto.
- Hoje você vai jogar! - disse o mais enfezado.
Entraram em campo. José não enconstou na bola na primeiro tempo. Para falar a verdade, enconstou sim: no gol que perdeu dentro da pequena área.
Foi um vexame. Nem o filho mais novo dentre os jogadores do time teria perdido aquele gol. Inacreditável.
No segundo tempo foi pior. Numa dividida, torceu o pé e teve de ir para o banco.
Tempos depois, na mesma mesa de bar, alguém perguntou:
- E o futebol, José?
A turma caiu na gargalhada.
- Me aposentei. Não tenho mais tempo. Agora só jogo vôlei.
- Vôlei?
- Sim, estou até disputando o campenato estadual.
- Sério? Então vamos marcar um jogo, tem uma galera aí que curte vôlei.
- Vamos, claro, só marcar.
José não apareceu em nenhum jogo de vôlei marcado pela turma. Também nunca mais foi beber com a galera.
A turma deixou assim.
02 março 2025
Antivax
Quando menos se espera, aparece no grupo da família outro vídeo de um tal médico famoso não sei de onde falando contra a vacina da covid-19.
Pensei que já estivesse pacificado.
Parece que não.
Ainda há muita gente pregando contra a vacina sem levar em consideração que, não fosse ela, continuaríamos na pandemia e mais de um milhão de brasileiras e brasileiros certamente já teria partido.
Daí fui pesquisar sobre o movimento antivacina.
Descobri que ele é muito antigo, vem do século 18, das epidemias de varíola.
Tudo começou quando uma aristocrata e escritora chamada Lady Mary Wortley Montagu (1689 - 1762) levou a prática da variolação de Istambul para a Grã-Bretanha em 1718.
Ela queria proteger seu filho de cinco anos.
Consistia em colher o pus das pústulas de uma pessoa doente e colocá-lo em contato com o organismo de uma pessoa sadia. Percebeu-se que essa prática proporcionava certa proteção contra a varíola.
De cara os médicos britânicos rejeitaram a ideia e atribuira-na ao curandeirismo oriental.
Em 1721, Lady Montagu também fez a variolação em sua filha, em meio a nova epidemia de varíola,.e a partir daí a notícia se espalhou pela aristocracia britânica da época.
Mas houve resistência, claro. Sabe de quem? De muitos médicos e da igreja.
De lá pra cá, uma mistura de discurso religioso com pseudociência desacraditam constantemente as vacinas, negando completamente os avanços científicos e a redução considerável de mortes ao longo do tempo.
Mas sabe o que eu acho mais interessante?
Não há evidências que sirvam aos antivax. A necessidade de acreditar naquilo é muito maior e se transforma quase numa causa. Com aliados e inimigos. Com entendidos e desentendidos. E um monte de desinformação.
O movimento antivacina tem se intensificado nos últimos tempos, sobretudo com o crescimento da extrema direita mundo afora.
É uma tristeza.
20 fevereiro 2025
Ele está tranquilo
Senhoras e senhores, Bolsonaro e mais uma penca de militares foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República há poucos dias.
Golpe de estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano ao patrimônio tombado e mais alguns coisas.
O Ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo, deu 15 dias para os citados apresentarem defesa.
Sabe o que isso significa? Vai ter julgamento sério, sim. Como disse o Lula, eles terão o benefício da presunção da inocência e precisarão provar que não praticaram os crimes pelos quais estão sendo acusados.
Bolsonaro disse não estar preocupado, mas teve de trocar as fraldas na noite da denúncia.
16 fevereiro 2025
Trabalho e diversão
Escrever me dá prazer. É o que me faz seguir o caminho. É o que me arrasta. O resto, faço porque tenho de fazer. Mas por que tenho de fazer?
Assisti a um vídeo da Maíra Castanheiro em que ela apresenta um pouco a nova profissão: copywriter. Fiquei feliz por ela. E acendeu uma luz. Pensei: por que não?
Mas daí fui pesquisar e me deu uma preguiça. Trabalhar com marketing digital justamente num momento em que quero me distanciar dar redes sociais? Não vai dar certo.
Eu quero é escrever para satisfazer o sonho de quem me lê. Não quero criar ilusões. Quero escrever o que seja a vida real. Quem me lê deve sentir o que escrevo. E criar seus próprios universos. Com o que leu. Se quiser. Se puder. Se convier.
Não quero persuadir ninguém. Quero que seja de verdade. Se tocou no coração, estamos juntos. Se não, fica para a príoxima.
Tenho de trabalhar em outra coisa para ganhar dinheiro, eu sei. A situação tá muito apertada. Mas precisa sempre ser maçante? Por que não pode ser uma aventura que desperta o sensível? Por que não pode ser algo que eu goste de fazer. É pedir muito?
Ou trabalhar é diferente de se divertir?
13 agosto 2024
Outros
É de se pensar.
Toda vez que olhamos pela janela, uma nova paisagem se apresenta diante de nós, mesmo que seja aquela suposta de sempre.
As pessoas não são as mesmas, os carros não são os mesmo, as árvores e plantas já não têm a mesma floração, o sol está numa posição diferente...
Assim como todos os dias, ao acordarmos, somos outros. Ou outras. Nossos pensamentos não são os mesmo do dia anterior, nem nosso ânimo. A empolgação para aquela tarefa a que nos propusemos já está bem menor.
Acho que isso se explica pela liquidez da vida. Não disse o filósofo que nem nós nem as águas seremos os mesmos ao atravessarmos pelo segunda vez o mesmo rio?
É sobre isso.
Aprenda a se conectar ao momento. Viva o agora. Registre o que você está sentindo. Fora do presente não há salvação.
Pense nisso.
21 junho 2024
Num lapso para rever o indizível
Eu digo a você tudo o que sinto
Não deixo passar
Eu fico ao teu lado até o sol nascer
Respiro suavemente
As luzes dos carros me ofuscam
E interrompem o fio da meada
Querer às favas o suplício
As dores indicam a próxima jogada
Num tabuleiro carcomido de cupim
Já sei
Não sei nada
Foi dentro de um ônibus
Que escrevi os meus melhores poemas
21 maio 2024
18 maio 2024
passo os dias a vagar sem achar graça
se eu pudesse sair ileso dessa fria
que jogasse para longe minha desgraça
mas me perco antes do sol do meio-dia
toda manhã eu desço mudo a mesma via
a velha marca de um livro me perpassa
de uma vida sem critério que desfaça
deixo latente no meu peito essa agonia
pois fique certo que na vida tudo passa
16 maio 2024
03 maio 2024
11 novembro 2023
O ônibus
eu sou uma delas, pequenininho
como um canto de andorinha que ressoa
Tem aquela colega que vai junto comigo
a senhora sempre tem que pedir lugar
tem a presença daquele velho amigo
a vizinha que acabou de chegar
Nos encontramos todo o santo dia
o coração nem tão cheio de alegria
alguns papeiam até chegar em seu destino
Este ônibus que tantos sonhos propicia
segue sempre resiliente pela mesma via
o que pode ser só mais um sinal de desatino
05 novembro 2023
Olhos vis
e vejo o ar revolto da relva
as horas que cortam a pele
Eu olho nos seus olhos de vidro
e vejo carros de luxo sem sentido
os pedestres ansiosos por respostas
numa tarde chuvosa de mentira
Eu olho nos seus olhos rasos
e vejo trabalhadores aflitos
sacados sem dó de suas vidas
Eu olho nos seus olhos vis
e vejo a escuridão do desprezo
tua intenção, meu senhor, tem um preço
02 novembro 2023
Caderno de desenho
Fim do mundo
31 outubro 2023
Tudo no lugar
Escritor
Infância escondida
29 outubro 2023
Dia Nacional do Livro
Hoje é o Dia Nacional do Livro. Um dia marcado pela busca do conhecimento. Pela fuga da realidade. Pela vivência de outras situações. Pela distração e passatempo.
O livro, posso dizer, foi a invenção mais bem sucedida do homem. Atravessa séculos. Une gerações.
Digamos que se o homem fez alguma coisa de boa nessa Terra foi inventar o livro. Esse que nos traz conhecimento e vivências nunca antes possíveis.
O livro tem todo um universo que lhe dá contexto.
Primeiramente, o escritor e o leitor. Essa é uma relação fina de intimidade, mas também pode ser conflituosa. Aliás, como todas as relações.
Depois editoras, bibliotecas, livrarias e feiras literárias. O espaço de existência do livro. O cenário onde o livro se impõe como protagonista.
Por último, nas estantes íntimas de nossas casas. Casa sem livro é uma casa estéril, sem alma, sem cores.
Neste Dia Nacional do Livro desejo a todas e todos que suas leituras sejam empolgantes, criativas e inspiradoras. Seja no livro de agora ou nos próximos que virão.
A escrita
Eu, nos últimos tempos, tenho lido pouco jornais e sites de notícia. Tenho mantido uma amizade a distância com esses veículos de comunicação. Percebi que eles sugam minha energia mental e eu não estou aqui para isso.
A não ser quando me mandam uma notícia bombástica - e suspeita - pelo WhatsApp. Daí, como diz a regra da boa vivência digital, vou atrás da informação para atestar sua veracidade.
Tenho me dedicado mais à leitura de livros e à escrita, sobretudo do haicai. Manter a mente no aqui e agora para a prática do poema japonês tem me dado bons resultados em relação a minha saúde mental.
Notícias têm me tirado do prumo; haicais me recolocam nele. Me aventuro também na escrita de textos um pouco mais longos - mas nem tanto. Gosto dos textos sintéticos.
Tenho buscado a face terapeutica da escrita, por isso também mantenho um diário, que pacientemente se entrega aos meus lamúrios num exercício de encontrar os meus próprios caminhos.
É preciso que busquemos ambientes propícios a convivência saudável, seja no real ou no virtual. Depois da pandemia de covid-19, não há mais espaço para viver em lugares que nos tirem do eixo. Os tóxicos, como diriam alguns.
A vida é curta e não há tempo para perdermos tempo. Fica aí uma dica para quem anda meio perdido e está procurando se reencontrar. Busque lugares onde você pode ser você - e em paz.
A escrita tem sido, para mim, um desses lugares.
25 outubro 2023
Bloody Mary
Convidou-a para uma conversa, mas não sabia muito bem o que dizer. Encontraram-se no fim da tarde de sábado, num bar famoso da cidade.
Ele iniciou a conversa pelo tempo, que evoluiu para um papo tranquilo. Falaram sobre os filhos, cozinha, vinhos... Bem amistoso.
Lá pelas tantas e depois de alguns chopes, ele pergunta a ela meio nervoso:
- Se você fosse uma cor, qual seria?
- Quê?
- Uma cor. Qual cor você seria se pudesse escolher?
- Não sei, nunca pensei nisso.
- Pois eu seria verde. Como as matas.
- Verde? - Ela deu uma risada.
- Sim. Por que você ri?
- Acho engraçado alguém querer ser verde. Não faz o menor sentido.
- Pois pra mim faz. O verde me traz paz, serenidade e faz eu me sentir bem.
- Legal. Eu acho que seria vermelho.
- Vermelho? - Agora foi a vez dele soltar um gargalhada.
- Sim, me remete a energia, amor e sensualidade.
- Verde e vermelho dá o quê?
- Dá um Bloody Mary. Topa?
- Só se for agora.
Faz dez anos que estão casados e nunca mais voltaram àquele lugar. Mas todo sábado à noite tamam o drink sentados na varanda da casa olhando a lua. Quando tem lua.
22 outubro 2023
Uma dose de sutileza
Quem sabe nos preparamos para o impossível? Um abraço apertado num pensamento enviesado. E o sol que nos abandonou faz tempos. Ainda bem que cheguei no horário marcado. Um ponto pra mim. O primeiro deles.
Pois esses pontos vão acontecendo durante o dia todo. Assim vamos reunindo pequenos feixes de luz ao longo do percurso para enfrentar o oceano de escuridão.
Como uma flor que desabrocha. O processo é lento. Cada pétala se abre num jardim que não dá a mínima para esse espetáculo. Mas não importa, porque esse espetáculo é individual. Cada flor faz o seu. O jardim fica melhor. Mais vivo. Mais colorido. Reunindo um monte de flores que desabrocharam individualmente e que agora compõem o todo do jardim.
Esses feixes de luz, que vão se acumulando, são o combustível para que se forme a beleza do jardim. Como se fôssemos nos iluminando ao longo do dia para que no final desse tudo certo. E o dia desponta transformando-se num quintal convidativo, mesmo impregnado de ervas daninhas, que acabam caindo no esquecimento.
O que fica na memória é o perfume e as cores de uma flor viva e recém-chegada. Que ilumina por completo o jardim.
Era segunda-feira e tudo que eu precisava era de um café bem forte, sem açúcar, e de uma dose extra de sutileza para acreditar.
Você me entende?
21 outubro 2023
Zé Hamilton Ribeiro
Lá pelas tantas, Zé Hamilton relembra uma pergunta feita por um jovem jornalista em determinado momento de sua carreira: era muito difícil ser jornalista no Brasil na condição de deficiente físico?
Pois bem, a resposta do experiente jornalista foi instantânea: "De fato, é pior ter uma perna do que ter duas, mas muito melhor do que ter quatro".
Não queria estar na pele desse rapaz.
20 outubro 2023
O tempo anda só de ida
Meu filho se diverte desenhando. Hoje veio me dizer que fez o melhor desenho da vida dele. Eu fiquei tão feliz! Não só pelo desenho, mas pela empolgação dele. A inocência da criança me comove e me deixa satisfeito. Ele é o desenhista que não fui. Por isso o incentivo tanto. Que seja eterna essa paixão dele pelo desenho.
Por outro lado, tem algo que me entristece. Essa guerra louca entre Israel e Palestina. A quantidade de crianças palestinas mortas. Todos queremos paz, isso é óbvio, mas não é possível que inocentes ainda morram numa luta inconsequente. Os tais engravatados, lembra? Por que o pior do ser humano ascende a cargos tão elevados? Hamas errou feio em atacar Israel, mas Israel é insano. Quer promover um verdadeiro genocídio. Acompanho de longe porque minha saúde mental anda debilitada por esses dias, mas é impossível ficar isento. Parem as mortes, por favor!
Lembro de Imagine, do Lennon. "Imagine there's no contries / It isn't hard to do / Nothing to kill or die for / And no religion too". É muito difícil de entender?
Tô lendo o livro do Zé, da Realejo. Um intrépido livreiro nos trópicos. Genial. E tem um lance afetivo que me pega. Muitos personagens ali eu conheci nos tempos de Santos, nos tempos em que trabalhei na Realejo. Já é um livro da minha biblioteca essencial. De voltar a ele de tempos em tempos. Um presente lindo que ganhei de aniversário da Thais. Um presente lindo. Obrigado, More.
A vida tem suas tristezas, mas também tem seus momentos de prazer. Dor e prazer, a eterna dicotomia. Pequenos prazeres. Imensas dores. E assim vamos em frente. Que o tempo só anda pra frente. Como dizia Manoel de Barros, o tempo anda só de ida.
Os homens engravatados
Aline acordou atrasada naquele dia. Resmungou com o pai, brigou com a mãe. Onde está o cartão do ônibus?
Saiu à rua meio atrapalhada, toda despenteada, equilibrando os livros embaixo do braço. Depois de um longo dia de trabalho, viria o turno na faculdade.
Aline era servidora pública e cursava jornalismo. Terceira fase já. Gostava de dizer que fazia jornalismo para aprender a digerir as notícias do jornal.
Tomava muito café. Sem açúcar para não sair da dieta. Aliás, era o que a mantinha elétrica o dia inteiro para dar conta do recado. E parte da noite também. Depois tinha de tomar Rivotril para conseguir dormir.
Sua vida era um equilíbrio entre café e Rivotril. Ora a balança pendia para o café, ora para o Rivotril. Normalmente o café ganhava, porque tinha uma insônia que a deixava noites e noites em claro.
Aline chegou então ao trabalho e percebeu que o clima estava estranho. Os colegas não a olharam nos olhos, nem sequer responderam ao seu bom-dia.
Tudo bem, acomodou-se em sua mesa e iniciou o trabalho. Pela pilha de papéis em sua frente, aquele dia seria pesado.
Por volta das dez da manhã o chefe mandou chamá-la.
- Aline, vamos ter de reduzir seu salário. Teu não, de todos os teus colegas.
- Mas como? Por quê?
- Não faça perguntas. É assim que vai ser e pronto.
- Mas eu preciso de uma explicação, eu tenho filho para criar. E meus empréstimos, e minhas obrigações? Já está apertado assim, imagine cortando meu salário.
- Pois é, isso não me importa. Importa é que uma lei foi aprovada na Câmara e a partir de agora todos do teu setor terão redução de salário.
- Mas...
- Isso era tudo que eu tinha para falar. Pode voltar ao seu trabalho.
Aline voltou a sua mesa incrédula. Como faria com tantas contas para pagar? Mantinha o nome limpo num esforço sobre-humano, mas agora não teria jeito. Tudo desandaria.
Naquele noite nem conseguiu ir para a faculdade. Expôs a situação para os pais e prometeu que conseguiria um emprego no tempo do dia que lhe restasse. Mas em qual período? Só se fosse de madrugada!
Pensou em trancar a faculdade e procurar um emprego no período noturno. E se fizesse pães para vender? Brigadeiros? E se criasse um brechó on-line? Poderia mantê-lo nas hora vagas.
A redução foi de 30%. De fato, teve de trancar a faculdade e jogar no ralo o sonho que tinha de ser jornalista. Não conseguiu outro emprego, depois de um ano enviando currículos para os mais diversos lugares. E diziam que deveria dar graças a Deus porque ainda tinha um emprego.
É assim no Brasil. Homens engravatados não se importam com a vida pessoal dos cidadãos e tomam atitudes inconsequentes em nome de um "bem comum". Trabalham por interesse próprio e beneficiam aqueles que bancam suas campanhas.
Porque ano que vem tem eleição e é preciso estar em paz com os donos do dinheiro. Para isso, tiram da boca dos filhos da senzala para desperdiçar nos fartos banquetes da casa-grande.
19 outubro 2023
A enfermidade da alma
É terrível a sensação de que tudo que você faz não é suficiente. Nada está a contento. Nunca se chega ao ponto esperado pelos que estão a sua volta, que exigem mais e mais e mais.
É a história do coelho correndo atrás da cenoura. Presa nas costas dele uma vara, faz pender o legume, na outra ponta, diante do focinho, a uma distância de nunca alcançá-lo. Assim, corre eternamente até a exaustão.
Para uma pessoa ansiosa como eu, é um prato cheio. É preparar a cama para o inimigo deitar. Uma perseguição em que não há maneira de fuga.
Às vezes, quando queremos mais e mais, é porque desperdiçamos demais. Seja dinheiro, amor ou afeto. Desses, o pior é o desperdício de afeto.
Desperdiçar afeto nos deixa doentes. Pode ser de corpo, de mente ou de alma. E não há mais triste enfermidade que a doença de alma.
Sem alma, tudo se resume ao material. Viver se transforma numa triste luta quixotesca por ter mais e mais e mais.
Não há espaço para um sorriso de gratidão, uma palavra amiga, um ombro na hora mais difícil. Tudo se resume a relacionamentos que só valem se têm algo a dar em troca.
Não quero ser assim. Prefiro minha vida modesta. Sou mais a alma de um belo poema que a frieza de uma conta bancária recheada.
Não estou dizendo que dinheiro não é importante, não é isso. Dinheiro é uma ferramenta primordial no mundo contemporâneo. Aliás, sempre foi. Contudo, dinheiro deve ser um meio, apenas, nunca um fim.
Quando o dinheiro se torna um fim, é porque a alma está adoecida. Se não cuidar, ela pode morrer. Um corpo vivo com uma alma morta. Não queira ser assim. Faça de tudo para não ser assim. Caso não deseje ficar sozinho.
18 outubro 2023
Viva os artistas de rua
Ela é uma artista de rua. Canta músicas lindas, com sua voz límpida, a mioria em inglês. Está todos os dias na esquina da Jerônimo Coelho com a Felipe Schmidt a apresentar sua arte.
Vi algumas vezes pessoas colocando uns trocados no chapéu que deixava no chão diante da caixa de som. E, no meio da música, agradecia.
Certo dia passei bem perto dela. Cantava uma música qualquer dos Beatles. Me pus a ouvir e a saborear aquele momento. E que delícia de momento! Uma enxurrada de emoções tomou conta de mim. Fui cantarolando a música na mente até chegar em casa.
Artistas de rua me aquecem o coração no duro percurso diário ao trabalho. Ou na volta dele. Me indicam que a vida cotidiana não é só dinheiro, compras, vendas e negócios. Há algo que permeia tudo isso: a alma.
A função dos artistas de rua é mostrar que, apesar de muitos não acreditarem, temos uma alma que pulsa. Essa alma pode estar numa voz bem afinada, numa encenação, num artista-estátua, num truque de mágica...
Parar para apreciar essas manifestações artísticas é uma forma de alimentar a alma. Não é perda de tempo, como alguns pedem pensar. É polir a tempo.
A arte de rua me protege do que mais tento me distanciar: a dureza dos concretos do dia a dia. Além de estar alí, democraticamente, para animar a festa de quem passa.
Quanto a mim, aproveito cada segundo dos shows nas calçadas da cidade. Sou fã de carteirinha.
Por isso digo: viva os artistas de rua!
14 outubro 2023
Você sabe o que é infodemia?
Sentimos bem essa situação, por exemplo, na pandemia de coronavírus. Além de lidar com o medo de contrair a doença, tínhamos de administrar a quantidade excessiva de informação, que muitas vezes nem eram tão confiáveis assim e só serviam para confundir ainda mais nossa cabeça.
Pois esse fenômeno chama-se infodemia, que, em síntese, é uma epidemia de informação. Caracteriza-se pela distribuição massiva de conteúdo, superando muito a capacidade humana de processá-lo. Ela causa abalo ao senso crítico e pode também produzir alguns sintomas psicológicos, como exaustão, irritabilidade, ansiedade e medo excessivo, como já mencionado.
O grande volume de informação, muitas vezes não verificado, alastra-se rapidamente pela internet e redes sociais, alcançando uma imensa quantidade de pessoas num curto espaço de tempo. Isso acaba levando quem consome essas informações à confusão, pois dados e fontes contraditórios dificultam a averiguação da veracidade desses conteúdos.
Por conta disso, a infodemia vem recheada de notícias falsas, que aproveitam esse déficit no senso crítico para gerar engajamento rápido, proporcionando ainda mais dano à saúde das pessoas. Como bem sabemos, notícias falsas podem colocar a vida humana em risco, pois colaboram para a tomada de decisão equivocada em situações essenciais para o nosso bem-estar.
Mas como lidar com a infodemia? Vejamos algumas formas:
Para conviver em uma infodemia é necessário, em primeiro lugar, que haja um engajamento das instituições ligadas à educação no sentido de promover alfabetização digital de uma maneira ampla. Os internautas devem ser capazes de avaliar criticamente uma notícia e saber averiguar fontes, concluindo se confiáveis ou não.
Além disso, restringir o consumo de conteúdo somente àqueles de fontes confiáveis pode diminuir bastante o estresse causado pelo bombardeio de informação. Por aí, já temos meio caminho andado rumo à manutenção de nossa saúde mental.
Desconfiar de notícias bombásticas é outra maneira de sobreviver a uma infodemia. Normalmente, esses relatos vêm carregados de desinformação e de teorias da conspiração, o que contribui para um estado de ansiedade e medo.
Checar a informação antes de compartilhá-la também é importante. Se desconfiar, não compartilhe. Confira a veracidade primeiro. A chance de ser uma notícia falsa é muito grande.
Uma dica legal é desligar-se diariamente, por alguns instantes, de celulares e computadores para praticar uma atividade relaxante para você. Ler um livro, assistir a um filme ou dar uma caminhada são bons exemplo de lazer saudável.
Sei que no início essas mudanças nos hábitos digitais podem ser difíceis, mas com o tempo vão se tornando naturais.
A infodemia é um problema sério que vem abalando demais nossa geração. Se somada à desinformação, a mistura é explosiva. Então que tal prestar mais atenção às notícias que você consome e cuidar melhor de sua saúde mental? Seu bem-estar agradece.
13 outubro 2023
O minimalismo e a arte do essencial
Muitos classificam o haicai como uma arte minimalista dada sua característica de falar o essencial com a quantidade mínima de palavras. Nem mais, nem menos. Mas você sabe o que significa ser minimalista?
Neste artigo você vai ver o que é o minimalismo, como surgiu, quem são seus idealizadores e porque é uma filosofia que vem crescendo muito nos últimos tempos. Além, claro, de sua relação com a literatura.
Vem comigo então para saber mais.
MAS, AFINAL, O QUE É MINIMALISMO?
Minimalismo é um movimento cultural e artístico - e por que não filosófico - surgido no século XX, mais precisamente na década de 1960, nos Estados Unidos, em resposta ao expressionismo, com os artistas Donald Judd, Frank Stella, Sol LeWitt e Robert Smithson. Outros nomes compuseram o movimento, mas os citados acima foram os que mais se destacaram.
Esses artistas propuseram que fosse utilizado o mínimo de elementos estruturais em suas obras como forma de expressão artística e de comunicação. Eles primavam pela síntese e pela simplificação, eliminando completamente tudo que fosse desnecessário. Evitavam a complexidade e adereços que não levassem seu público ao essencial.
Em 1966, o filósofo Richard Arthur Wollheim (1923-2003) previa que o minimalismo se estenderia para o design, a música, a arquitetura e a literatura, como de fato ocorreu. O minimalismo exerce influência nessas áreas até os dias atuais.
O ESTILO DE VIDA MINIMALISTA
O minimalismo, de uns tempos para cá, vem se tornando uma filosofia de vida. Quem adota esse estilo tem por objetivo a simplificação da própria vida, de um modo geral. Isso inclui desapegar-se de bens materiais, focar no essencial e promover mudanças dos padrões de pensamento.
Ser minimalista significa saudar dívidas para gozar de uma realidade financeira mais saudável, por exemplo, consumindo somente o essencial para uma vida significativa. Em outras palavras, é ressignificar o estar no mundo.
Minimalistas preocupam-se com a sustentabilidade, logo com o meio-ambiente, procurando deixar o mínimo de marcas na natureza por onde passam. Por conta disso, são críticos ferrenhos do modelo capitalista de consumo desenfreado.
Contudo, é bom deixar claro que o estilo minimalista é um processo que não acontece da noite para o dia. Cada pessoa que deseja adotar essa filosofia de vida deve ter em mente que é preciso respeitar o próprio ritmo. O que faz sentido para um pode não fazer para outro. E está tudo bem.
O MINIMALISMO NA LITERATURA
O minimalismo na literatura caracteriza-se pela economia de palavras, evitando advérbios e sugerindo ao leitor muito mais do que o mostrado na narrativa. Por conta disso, o leitor tem papel fundamental na construção da história contada.
O principal nome associado ao minimalismo literário nos Estados Unidos é o de Raymond Carver (1938-1988). Seus contos com pouquíssimas frases representam personagens simples e, por vezes, criam ambientes misteriosos e incomuns. Considera-se que os contos de Carver tenham dado início ao movimento literário minimalista na década de 1960.
Outro nome importante no minimalismo literário do século XX é o do guatemalteco Augusto Monterroso. Ele escreveu o célebre microconto: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.”, que serviu, inclusive, para, em 2004, inspirar Marcelino Freire a lançar o livro “Os cem menores contos brasileiros do século”, em que desafiou 100 escritores a escrever contos com no máximo 50 letras, sem contar título e pontuação.
Já que estamos falando de Brasil, no país o minimalismo tem uma data bem específica para seu início: foi em 1994, quando Dalton Trevisan, outro nome importantíssimo no minimalismo nacional, lançou o livro de microrrelatos chamado “Ah, é?”.
Sendo assim, podemos considerar haicais, microcontos e, mais recentemente, os poetrix como gêneros que refletem muito bem o estilo minimalista na literatura em nosso país.
QUE TAL O MINIMALISMO?
Bem, você viu até aqui que o minimalismo nasceu nos Estados Unidos, na década de 1960, com um grupo de artistas que se contrapunha ao expressionismo em voga naquela época. Viu também que esse movimento se transformou num estilo de vida bastante seguido nos dias atuais e que na literatura tivemos nomes importantes que foram adeptos dessas ideias.
Confesso que é uma filosofia de vida, digamos assim, que me agrada bastante. Sempre fui adepto da síntese, de focar no essencial e de aparar as arestas. Com certeza, por isso me sinta tão bem escrevendo haicais. Agora só falta trazer o minimalismo para minha vida diária.
Mas, como vimos, é um processo bastante lento para se consolidar.
Então, gostou do artigo? Que tal deixar um comentário aí embaixo me dizendo o que você achou do minimalismo - se é que você não o conhecia?
11 outubro 2023
09 outubro 2023
Haibun
primavera ferida
na calçada
um pétala caída
08 outubro 2023
Sobre flores e árvores
Minha sogra foi à floricultura por esses dias e trouxe várias mudinhas para plantar no pátio de nossa casa. Até um pé de macieira veio junto, já com flores e algumas frutinhas. Com a ajuda de nossa secretária do lar, plantou flores por toda volta da casa, que ficaram belíssimas.
Gosto de pensar em flores. São seres estáticos que nos despertam sentimentos dos mais variados. Normalmente, de beleza, alegria e aconchego.
Pense numa margarida.
A margarida, com seu miolo amarelo e pétalas brancas, traz um ar de que é primavera o ano todo. Não sei qual é o período de floração da margarida, mas quando a vejo, encho-me de alegria e penso: seja bem-vinda, primavera.
Mas há plantas mais sisudas, como a coroa-de-cristo. Apesar de rude, tem lá sua beleza. Lembro de uma vez, na infância, quando caí por cima de uma moita dela. Meu Deus! Daí pude entender o porquê de seu nome. Foi muito sofrimento. Aliás, essa planta me traz, sim, um sentimento de tristeza. Talvez por remeter à história de Cristo.
Também tem as árvores.
O chorão, ou salgueiro, lembra muito minha infância também. Sentávamos, no verão, embaixo de suas copas, que produziam uma sombra muito gostosa e amena, para ficarmos as tardes a bater papo no condomínio onde morava, lá no Rio Grande do Sul.
Recentemente, visitei esse condomío e vi que muitas dessas árvores já não existem mais. Uma tristeza que só.
Enfim, a vida é mais bela quando se tem flores e árvores por perto. É como se a vida nos abraçasse. É como se a mãe natureza nos dissesse: filhos, eu estou aqui para quando precisarem, mas é necessário que vocês cuidem de mim.
O recado de hoje é: proteja a natureza como você protege a sua mãe. Porque, de fato, ela é uma mãe.
Livro
Eram oito da manhã quando acordei. Chamei meu filho para a aula de desenho, que iniciria às 10h30. Chovia a cântaros. Depois acordei minha companheira, que ficara de levá-lo ao comprimisso. Fiz um café para mim e outro para ela.
Decidi ir com eles.
Saímos os três já atrasados. Não parava de chover. Pensei que o bairro ao lado pudesse estar alagado, mas, por sorte, estava liberado. Ufa! Chegamos à escola de desenho passava um pouco do horário.
Levei-o até a sala. Desci as escadas do primeiro piso para o térreo e acendi um cigarro. Minha companheira ficara no carro. Ao voltar para o automóvel, sugeri que fôssemos comprar o presente de aniversário do amigo do meu filho, que faria uma festa hoje à tarde.
Fomos ao shopping da cidade.
Primeira opção: livro. Gosto de presentear com livros. Encanta-me a ideia de que estou proporcinando uma experiência ao presenteado ao invés de meramente dar um bem material.
Escolhemos um livro bem apropriado para a idade: Curso Básico de Mangá. Compramos um para o aniversariante e outro para meu filho.
Voltamos à escola para buscá-lo. Continuava a chover muito. E o dia do meu aniversários iniciou assim.
28 setembro 2023
VAMOS FALAR SOBRE HAICAI?
O haicai é um poema curto de três versos que tem sua origem no Japão do século XVII e trata, sobretudo, da impermanência da natureza, seja ela humana ou não.
Nomes importantes da poesia brasileira se debruçaram sobre essa forma poética e o resultado foi encantador.
Neste artigo, vamos ver um pouquinho de como surgiu o haicai, passando pela chegada e desenvolvimento dele no Brasil, assim como a forma de criar um bom poema desse gênero poético.
HISTÓRICO DO HAICAI
No princípio, havia uma forma poética clássica no Japão chamada waka (posteriormente também chamada de tanka) composta por 5 versos (5-7-5 7-7 sílabas). Do waka, surgiu o poema colaborativo conhecido por renga, especialmente cultivado por membros da corte imperial japonesa, quando um poeta criava a primeira estrofe de três versos (5-7-5 sílabas), denominado hokku, e outro poeta então escrevia nova estofe de dois versos (7-7 sílabas), e assim por diante. Mais tarde, nasceu outra modalidade de poema coletivo, no mesmo formato do renga, de tom mais satírico, denominada renku, haikai ou haikai no renga, encadeamento esse composto por pessoas do povo, comerciantes, militares, etc. O poema haicai, como conhecemos atualmente, surgiu do desmembramento do hokku do haikai no renga.
O hokku tinha regras bem estabelecidas para iniciar um haikai no renga. Deveria ter um termo que remetesse a estação do ano (kigo) e a separação em de 5-7-5 sílabas poéticas, que para os japoneses são sons.
O hokku foi isolado do haikai no renga por Matsuo Bashô (1644-1694) no século XVII, o grande mestre japonês de haicai, que adicionou um conteúdo mais elevado ao poema, por influência budista. Já no século XIX, Masaoka Shiki (1867-1902) cria o termo haiku, uma junção de duas sílabas dos termos haikai com hokku. Com isso, pregando uma abordagem mais literária ao poema mínimo, ele renovou o haicai aos moldes de como o conhecemos hoje.
Matsuo Bashô (1644-1694) foi o principal poeta de haicai de todos os tempos. Nasceu em Ueno no Japão e viveu grande parte da sua vida em Edo, atual Tóquio. Sua família era de samurais agricultores e, aos 23 anos, Bashô abandona o campo e vai viver de literatura.
A maior parte de sua obra está presente em diário de viagem (nikki), sendo Oku no Hosomichi, ou Sendas de Oku em português, o mais conhecido, tratando-se de um clássico da literatura japonesa.
Bashô é reverenciado em todo o Japão como uma espécie de divindade, tamanha é a importância de seu legado na literatura daquele país.
O mais conhecido haicai de Bashô é:
O velho tanque -
Uma rã mergulha,
Barulho de água.
(Tradução de Paulo Franchetti)
HAICAI NO BRASIL
O haicai teve dois caminhos de entrada no Brasil. O primeiro foi por meio das traduções francesas e inglesas, em que se baseou o poeta Afrânio Peixoto, a citar, em 1919, pela primeira vez em uma obra literária, denominada Trovas Populares Brasileiras, o terceto japonês.
Nomes como Guilherme de Almeida, Paulo Leminski e Millôr Fernandes imprimiram suas próprias marcas no haicai brasileiro.
Guilherme de Almeida criou uma estrutura própria na construção do haicai, que foi muito difundida no meio literário. Para ele, o haicai teria 5-7-5 sílabas poéticas, mas constaria de título e rima, de modo que a sílaba final do primeiro verso rimaria com a sílaba final do terceiro verso, e a segunda sílaba do segundo verso rimaria com a última da mesma linha. Essa é uma estrutura utilizada até hoje pelos haijins (poetas de haicai ou haicaístas), embora não tão frequente.
O PENSAMENTO
O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.
Paulo Leminski renovou o ar do haicai. Desprendeu-se do rigor da métrica, muitas vezes não se ateve ao kigo, mas jogava todas as cartas no haimi, o sabor de haicai. Leminki tinha forte influência do haicai japonês, tendo dedicado uma biografia ao maior mestre do haicai, o já mencionado Matsuo Bashô.
a palmeira estremece
palmas pra ela
que ela merece
Millôr Fernandes já tinha um ar mais satírico em seus haicais, o que muitos até os classificavam como senryu - uma modalidade de haicai humorístico que não se preocupa com as estações do ano e se atém às mazelas do ser humano. Millôr manteve semanalmente uma seção com seus haicais (que ele denominava “Hai-kais”)na revista Veja, por mais de uma década, de 1968 a 1982.
Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril
A outra grande via de entrada do haicai no Brasil se deu pelos primeiros imigrantes japoneses, que chegaram ao porto de Santos (SP), em 18 de junho de 1908, a bordo do navio Kasato Maru.
Com os japoneses, vieram, além das técnicas de cultivo para o trabalho, também sua língua e elementos culturais, como o ikebana, o haicai e a arte do chá, por exemplo.
Shûhei Uetsuka (1876-1935), de haimei (nome haicaístico) Hoykotsu, ainda a bordo do Kasato Maru, compôs o primeiro haicai no molde japonês, ou haiku, do Brasil:
A nau imigrante
chegando: vê-se lá no alto
a cascata seca
(Tradução Hidekazu Masuda Goga)
Já o imigrante Kenjiro Sato (1898-1979), de haimei Nempuko, foi quem primeiro desenvolveu um amplo trabalho de produção e divulgação do haiku japonês no Brasil, incumbido por seu mestre Kyoshi Takahama (1874-1959), que por sua vez foi discípulo do renovador Masaoka Shiki.
Poemas entregues ao discípulo Nempuku por seu mestre Kyoshi:
Faça uma país de poesia
aonde leve esse navio
vento de primavera
Lavrando a terra
plante também
um país de haikai
Contudo, coube a Hidekazu Masuda, o conhecido e admirado “Mestre Goga”, a tarefa de ser o primeiro e grande divulgador do haicai tradicional em língua portuguesa. Mestre Goga, como era conhecido, foi o fundador, junto de sua sobrinha Teruko Oda, do primeiro grupo de estudos de haicai em português, o Grêmio Haicai Ipê, de São Paulo, fundado em 15 de fevereiro de 1987 e ainda ativo.
Com isso, o gênero logo se disseminou pelos meios literários da época, chegando até os dias atuais.
APRESENTAÇÃO DO HAICAI
Haicai é sobretudo imagem. Um acontecimento do cotidiano, geralmente da natureza, ocorrido no aqui e agora. É a apreensão de um momento que toca a sensibilidade do poeta.
Por isso, o haicai é escrito em linguagem simples e acessível a todos os leitores. Devemos evitar palavras de difícil compreensão, preferindo a simplicidade ao rebuscamento.
O haicai pode ser praticado por qualquer pessoa, evidenciando assim seu caráter democrático.
Constitui-se basicamente de um poema de três linhas, ou seja, um terceto. Tem seus versos acomodados no formato 5-7-5 sílabas poéticas, sendo que o primeiro verso tem cinco silabas, o segundo tem sete e o terceiro tem cinco novamente. Claro que essa contagem pode ser aproximada, mas nunca passando muito de 17 sílabas poéticas ou ficando com muito menos.
Preferencialmente, segundo a orientação tradicional do haicai no Brasil, definida pelos estudos do Grêmio Haicai Ipê, de São Paulo, não se utiliza rima nem título.
O tema principal do haicai é a natureza. Sem a natureza não existe haicai. Por isso, a atenção do haijin está sempre voltada para as estações do ano e suas sutilezas. Mas como demonstrar nos haicais se eles são de inverno, verão, outono ou primavera?
Aí está outro mandamento do haicai tradicional, que é a utilização do kigo.
Kigo é um termo ou frase, expresso no haicai, que define a estação do ano a que aquele haicai se refere. Ou foi escrito. Por exemplo: beija-flor. Beija-flor é uma ave muito comum na primavera, certo? Devido a florescência das plantas, os beija-flores ficam mais evidentes nessa época do ano.
Um exemplo de haicai com kigo 'beija-flor':
ah, beija-flor, ah...
o jardineiro imóvel
sem pestanejar
(Regina Alonso)
Outra característica relevante no haicai é que não deve ser uma frase contínua. Deve ter uma pausa, corte ou cesura, entre uma seção e outra, isolando o primeiro verso, ou o último. Isso é o que os japoneses chamam de kire (corte).
A identificação dessa pausa entre nós geralmente se dá pela utilização de um kireji (termo de corte), que pode ser um travessão ou apenas a alternância de letras maiúsculas e minúsculas no início de cada verso. Mas, alguns haijins deixam para o leitor a tarefa de decidir onde melhor se encaixa essa pausa, escrevendo o início dos versos todos em letras minúsculas.
Barzinho de estrada -
Não sei se como ou abano
as moscas do prato.
(Teruko Oda)
Pamonhas no sítio
As trouxinhas amarradas
Com todo capricho
(Carlos Martins)
silêncio na mata
a mariposa pousa na flor
outro silêncio
(Alice Ruiz)
O primeiro verso do haicai normalmente apresenta uma cena estática. "Céu de outono" pode muito bem servir para esse primeiro verso. O segundo geralmente sugere um movimento, algo que acontece na natureza. Já o terceiro metro apresenta uma transformação da paisagem.
O haicai é acima de tudo uma forma de estar no mundo. De presenciar a natureza nas suas mais sutis transformações. Muitos têm o haicai como uma espécie de meditação, já que estimula o exercício de manter a mente concentrada no momento presente, mais ou menos o que prega o mindfulness e sua atenção plena. Outros, o relacionam com as práticas de zen-budismo. De qualquer forma, praticar o haicai é uma atividade muito prazerosa e que traz grande sensação de bem estar.
Agora que você já sabe um pouquinho da história do haicai, viu sua entrada e permanência no Brasil e teve dicas de como construir um terceto japonês, que tal colocar em prática? Tente! Todos nós podemos experimentar essa delícia que é escrever haicais.
Ah, e não se preocupe com o que pode ser ou não ser matéria para haicais. Já disse Kyoshi Takahama, o grande mestre de Nempuku Sato, que tratamos anteriormente:
Vento de outono —
Qualquer coisa que você vê
pode ser um haiku.
(Tradução de Maria Cristina Chinen Robertson)
Éder Fogaça
Com a preciosa colaboração e revisão do Mestre Carlos Martins, pelas quais sou muit agradecido.
16 setembro 2023
Preconceito linguístico
Ele queria saber o porquê de eu não pontuar meus poemas. Um questionamento quase coercivo. No momento fiquei estarrecido. A pergunta é tão básica que qualquer aluno de ensino médio que tenha estudado o Modernismo, a Semana de 22 e os movimentos literários posteriores saberia esclarecer essa indagação. Enfim. Tentei expor o meu entendimento.
Mas o que me traz aqui não é essa questão. É a minha exposição e o esclarecimento de um suposto erro de português.
Pois bem.
Em determinado momento da conversa, nos comentários do Facebook, eu escrevi "tu precisa estudar mais", ironicamente, como forma de rebater os insultos que ele vinha me direcionando. Ele pegou esse print e postou no perfil dele.
"Tu precisa". Será que é um erro mesmo? Vamos ver.
Segundo a Gramática Normativa, sim, está incorreto. O correto é "tu precisas", com a desinência "s" no final indicando que o verbo está na segunda pessoa do singular.
Até aí, tudo bem. Confesso meu erro, conforme a Gramática Normativa.
Mas nos estudos da Linguística existe algo que se chama variação linguística. Trata-se de "um fenômeno que acontece com a língua e pode ser compreendido por intermédio das variações históricas e regionais. Em um mesmo país, com um único idioma oficial, a língua pode sofrer diversas alterações feitas por seus falantes. Como não é um sistema fechado e imutável, a língua portuguesa ganha diferentes nuances. O português que é falado no Nordeste do Brasil pode ser diferente do português falado no Sul do país. Claro que um idioma nos une, mas as variações podem ser consideráveis e justificadas de acordo com a comunidade na qual se manifesta.", conforme Luciana Castro Alves Perez no site Português.
Voltando ao caso retratado, "tu precisa" é, dentro do conceito de variação linguística, uma forma aceita no uso informal da língua na região sul do país, da qual faço parte, e mais timidamente no litoral de São Paulo, onde morei por 10 anos.
"Tu precisa", "tu vai", "tu é" são formas perfeitamente aceitas, conforme a Gramática Descritiva, repito, no sul do país, num ambiente informal de uso da língua.
Como em espaço de comentários do Facebook, por exemplo, em que língua falada e escrita fundem-se no famoso "escrever como se fala".
Dito isso, o que se passou foi mais um caso execrável de preconceito linguístico, que deve, de todo modo, ser extirpado do nosso dia a dia, levando informação de qualidade aos pseudoguardiões da língua portuguesa.
E para finalizar deixo a citação do Professor Marcos Bagno sobre preconceito linguístico: "como todo preconceito, o linguístico é a manifestação, de fato, de um preconceito social, porque o que está em jogo não é a língua que a pessoa fala, mas a própria pessoa como ser social."
Como vocês podem ver eu errei, mas acertei, conforme o ponto de vista do qual se está olhando. O que não podemos errar é no preconceito, esse só o conhecimento pode eliminar.
07 setembro 2023
Escreva um diário
Não é de hoje que mantenho o exercício da escrita em um diário virtual. Iniciei escrevendo numa caderneta. Tempos depois, passei a escrever num documento de word e guardava no computador que eu utilizava diariamente. Mais recentemente, com a facilidade do mundo digital, passei a escrever em um documento do Google Docs. Hoje, registro meus dias numa nota do Google Keep. É muito mais prático e está sempre comigo no meu celular.
O que eu registro nele? Bem, praticamente tudo. Escrevo sobre meu dia, registro históricamente todos os meus passos - gosto dessa ideia de registro histórico, algo que um dia alguém vá ler e saber como vivi meus dias.
Gosto de deixar lá também como me senti em determinadas situações. Isso me ajuda a saber como lidar com elas e, principalmente, como não sofrer por antecipação - algo que tenho uma sincera predileção.
Deixo registrado no meu diário também fatos importantes que ocorreram no Brasil e no mundo naquele dia. Como disse, gosto da ideia de estar escrevendo um "documento histórico". Você pode incluir também, se seguir minha dica do Google Keep, fotos, audios e tantos outros elementos.
Há quem chame isso de escrita terapêutica. Outros, de escrita curativa. Eu gosto de chamar de escrita de mim mesmo. Manter um diário já me salvou de inúmeras enrascadas emocionais. Já me indicou caminhos. Já me acalmou e confortou.
Sugiro que você faça o mesmo.
Comece devagar. Escreva uma frase por dia. Algo que foi mais marcante para você naquele dia. Deixe o pensamento vir à tona. Com o tempo você vai perceber o fluxo de pensamento e vai sentir que o ato de escrever se torna quase automático. Mas lembre-se: este é um texto de você para você, não precisa ser publicado e nem mostrado para ninguém. Volte de tempos em tempos e releia o que você já escreveu. Isso dá uma sensação de alívio indescritível.
Então, bora lá inciar seu diário de si mesma (o)?
29 agosto 2023
SUCESSO
11 fevereiro 2023
25 janeiro 2023
22 janeiro 2023
21 janeiro 2023
21 de janeiro
Me dedico ao haicai. Já há bastante tempo. Por um período pensei que estivesse curado dessa doença, mas não. De tudo que experimentei, escrever é o que me deixa mais sintonizado comigo mesmo. Me faz mais inteiro. Mais íntegro. Por isso continuo.
Mesmo assim, dentro da escrita vivo a experimentar. Não me entrego. Me faço valer. Sei que ninguém lê o que escrevo, mas não escrevo para ser lido, escrevo para ser vivido. Assim que me senti nos piores momentos da minha vida. Vivo. E foi a escrita que me salvou. Pode ser clichê, mas é a verdade. Devo à escrita minha sanidade mental. E assim vou compondo minha escrevivência.